No âmbito do projeto de arte contemporânea intitulado EVOCAÇÃO, a
decorrer ente 2016 e 2018 na Sala da Grande Guerra do Museu Militar de Lisboa,
inaugura no dia 15 de junho às 17,30 horas a intervenção «A Menina (não) fica
em casa» de ISABEL SABINO.
Este projeto de intervenção artística no Museu Militar, nas salas
dedicadas à participação portuguesa na 1ª Grande Guerra, por ocasião do
centenário desta, assume como perspectiva um olhar feminino.
Quando se percorre as salas deste museu surgem diferentes imagens
da mulher: começando pelo retrato da jovem rainha D. Maria por Joaquim Rafael,
há algumas figuras de mulheres associadas à história de Portugal, tais como a
mulher de Egas Moniz com ele a entregar-se ao rei de Castela (por Malhoa), ou
Inês de Castro (por Columbano).
Mas a maioria da figuração feminina neste museu é, de facto, da
ordem do imaginário, um imaginário que, de certa forma, povoa o espírito
guerreiro: alegorias da vitória, da fama e da glória ou dos lugares de
conquista, guerreiras ou anjos protetores, mas também assombrações do terror,
esposas, mães enlutadas e carpideiras, ou ainda deusas, ninfas e Nereides,
aparições sensuais de amantes longínquas.
Na sombra destas, podem contudo supor-se também mulheres
discretas, história invisível nos bastidores dos objetos necessários à guerra e
à vida que continua: laborando uma arma, um agasalho, uma maca, um curativo ou
uma oração, em especial no contexto da guerra de 14-18. Para além do museu, as
histórias reais acumulam-se tanto como as suspeitadas, imaginadas, ou absurdas
- como a acusação de espionagem hipotética a Sonia Delaunay, em abril de 1916,
por as suas telas abstratas, a secar ao sol na casa da Rua dos Banhos de Vila
do Conde, terem sido vistas por alguém como avisos em código aos submarinos
alemães que passavam ao largo: no fundo, um outro tipo de participação na
guerra que a certas mulheres se poderia imputar.
Seguindo à letra a designação corrente da Guerra 14-18 como
“guerra das trincheiras”, e sob os exemplos inspiradores da Cruzada das
Mulheres Portuguesas, de algumas mulheres das gerações de vanguarda feminista
no nosso país e, em especial, das mulheres construtoras de trincheiras na
frente do Rio Piave (Norte de Itália), este projeto toma como alegoria a
construção de uma trincheira.
Assim, a invocação desse reduto bélico expressivo da ação dupla de
defesa-e-ataque surge aqui corporizada por gestos ancestrais de labor e de
potencial solidariedade feminina e pacifismo na especificidade das linguagens
plásticas e pictóricas usadas (pequenas pinturas sobre tela e um objecto
instalativo), num tempo em que as trincheiras reais são obsoletas e um outro
tipo de guerra menos visível – a de iníquas e recorrentes violências de género,
frequentemente associadas ao terrorismo – parece estar de regresso e para
ficar, a não ser que as próprias mulheres pensem e ajam mais decisivamente.
Isabel Sabino, abril 2016
This
artistic intervention at the Military Museum, in the rooms dedicated to the
Portuguese participation in the 1st World War by its centenary, assumes a
feminine look as perspective.
When we
walk through this museum different images of women appear:
To begin
with the portrait of the young Queen D. Maria by Joaquim Rafael, there are some
women figures associated with the history of Portugal, such as the wife of Egas
Moniz with him before the king of Castela (by Malhoa), or Inês de Castro (by
Columbano).
However,
in this museum most feminine figuration comes from imagination, an imagination
that, in a way, dwells in the spirit of war: allegories of victory, fame and
glory or conquest of places, warriors or guardian angels, but also the ghosts
of terror, mourning wives and mothers, or goddesses, nymphs and Nereides,
sensual apparitions of distant lovers.
In the
shadow of all this, nevertheless, we can also glimpse discreet women, invisible
stories behind the scenes of the objects needed by war and life going on:
labouring a weapon, a coat, a stretcher, a healing or a prayer, especially in
the context of war 14-18. Beyond the museum, real stories accumulate as much as
the suspected, imagined, or absurd ones – such as the hypothetical espionage
charge of Sonia Delaunay on April 1916 for her abstract canvases, drying in the
sun in the house of Rua dos Banhos of Vila do Conde, have been seen by someone
as coded warnings to passing offshore German submarines: after all, another
type of participation in the war that certain women could be ascribed to.
Literally
following the current designation of WW1 as "trench warfare", and
under the inspiring examples of the Portuguese Women Crusade, of some women of
the feminist Portuguese avant-garde generation and, especially, of those women
who built trenches at the front of Piave River (Northern Italy), this project
takes the construction of a trench as allegory.
Thus, the
invocation of this military device expressive of the dual action of
defence-and-attack is embodied here by ancient gestures of labour and potential
women’s solidarity and pacifism in the specificity of the used plastic and
pictorial languages (small paintings on canvas and an installation object), at
a time when real trenches are obsolete and another kind of war – the iniquitous
and recurrent gender violence, often associated with terrorism – seems to be
back and stay, unless women themselves think and act more decisively.
Isabel Sabino, April 2016